18/08/2025

Supremo julga validade de lei que autoriza divulgação de nome de devedor contumaz

Por: Beatriz Olivon
Fonte: Valor Econômico
O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar, no Plenário Virtual, a
validade de norma gaúcha que autoriza a divulgação de nomes de devedores
contumazes de ICMS. A Lei nº 13.711, de 2011, instituiu o Regime Especial
de Fiscalização (REF), que prevê a publicação de nomes de inadimplentes
na página da Secretaria da Fazenda do Estado e de informações sobre a
condição de devedor nas notas fiscais emitidas pelas empresas.
Por enquanto, apenas o relator, ministro Nunes Marques, e o ministro
Alexandre de Moraes votaram, pela validade da norma. Os demais ministros
têm até sexta-feira para votar ou suspender o julgamento. O tema foi levada ao
Supremo por meio de ação (ADI 4854) proposta pelo Partido Social Liberal
(PSL).
No pedido, o partido alega que o Regime Especial de Fiscalização para
contribuintes considerados devedores contumazes, instituído pela Lei nº
13.711, de 2011, regulamentada pelo Decreto nº 48.494, de 2011, viola os
princípios constitucionais da liberdade de trabalho e comércio.
Há, segundo o PSL, medidas que implicam exposição pública negativa do nome
da empresa no mercado, como a divulgação da lista dos contribuintes
submetidos ao REF no portal da Secretaria da Fazenda do Estado, no Diário
Oficial e a inclusão deles em cadastro de restrição de crédito.
Existem ainda restrições operacionais e financeiras, como a perda de regimes
especiais de pagamento do ICMS, a exigência de pagamento do imposto no
momento da ocorrência do fato gerador, a suspensão do diferimento do
imposto e a exigência de informações econômicas periódicas. As medidas,
segundo o PSL, seriam desproporcionais.
A norma estabelece ainda que as notas fiscais emitidas contenham a frase
“contribuinte submetido a REF (Regime Especial de Fiscalização) com
vencimento do ICMS no fato gerador”. Além disso, só permite crédito fiscal
mediante comprovante de arrecadação.
Ainda segundo a ação, o Estado do Rio Grande do Sul tem realizado o envio
de mensagens eletrônicas e feito ligações telefônicas para fornecedores e
clientes das empresas informando sobre a situação de inadimplência.
Na ação, o Estado alegou que os contribuintes incluídos no REF representam
0,5% dos contribuintes devedores, o que evidencia a excepcionalidade da
medida, reservada aos casos graves e crônicos de inadimplência, quando todas
as formas ordinárias e amigáveis de regularização já foram tentadas sem sucesso.
O Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de
Lubrificantes (Sindicom) foi admitido como parte interessada (amicus curiae),
assim como os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Mato Grosso do
Sul, Piauí, Pernambuco, Mato Grosso, Rondônia, Sergipe, Maranhão, Pará,
Amazonas e Minas Gerais.
Em seu voto, o ministro Nunes Marques se manifestou pela validade da lei. “Se
por um lado o excesso de exação pode inviabilizar ou dificultar a atividade
econômica, por outro a inadimplência contumaz desequilibra artificial e
ilicitamente as condições de livre concorrência, porquanto a tributação constitui
custo de qualquer negócio”, afirma o relator.
Regime especial deve ser precedido de um processo administrativo”
— Patricia Fudo
Ainda de acordo com o relator, segundo a jurisprudência do Supremo, não
constitui sanção política a submissão de contribuinte a regime fiscal
diferenciado em virtude de inadimplemento reiterado. Além disso, para Nunes
Marques, não se constatam as hipóteses de cobrança de tributos por meios
indiretos e coercitivos, vedadas pelo STF em súmulas (nº 70, nº 323 e nº 547),
como a interdição de estabelecimentos, apreensão de mercadorias e proibição
do exercício da atividade profissional.
“Não há qualquer argumento do requerente que demonstre serem
desarrazoados os parâmetros estabelecidos no REF; tampouco é possível
inferir, em abstrato, interferência direta no exercício de atividade profissional”,
diz o relator.
Outros Estados, segundo Patricia Fudo, tributarista e sócia do Maluf Geraigire
Advogados, a exemplo do Rio Grande do Sul, têm efetuado esforços nesse
sentido. Atualmente é comum, especialmente em São Paulo, acrescenta, que
empresas que deixam de fazer o pagamento do ICMS recebam ligações de
auditores fiscais. “São casos em que o contribuinte consegue negociar termos
de ajuste de conduta, sob pena de imposição de um regime especial que pode
comprometer as suas atividades.”
O julgamento no Supremo, afirma a advogada, “é temerário”. O regime especial
pode ser imposto, de acordo com ela, mas deve sempre ser precedido de um
processo administrativo com comprovação de dolo e possibilidade de
pagamento pelo contribuinte. “Para que a norma não jogue uma pá de cal sobre
o empresário que, eventualmente, já está fragilizado e não consegue fazer os
pagamentos.”
Renan Dutra Urban, advogado tributarista do Benites Bettim Advogados,
também destaca que outros Estados têm iniciativas semelhantes, refletindo uma
tendência nacional de criar mecanismos específicos para lidar com o chamado
devedor contumaz. “Cada lei adota critérios objetivos de enquadramento e
sanções administrativas distintas, mas todas visam limitar a atuação de
devedores contumazes”, afirma ele, citando leis similares em vigor no Espírito
Santo e em Santa Catarina, e propostas avançadas no Rio de Janeiro.
No Espírito Santo, a Lei n 12.124, de 2024, define critérios para a caracterização
de devedor contumaz e prevê medidas como a exigência de pagamento do
imposto no momento da operação e a transferência da responsabilidade de
recolhimento para o fornecedor ou cliente.
Em âmbito nacional, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei
Complementar (PLP) 164, de 2022. O texto busca criar uma norma geral para
uniformizar critérios e procedimentos em todo o país, evitando distorções entre
as unidades federativas.
“Para os contribuintes, as consequências de normas desse tipo costumam ser
severas e de grande impacto. O principal efeito comercial é o isolamento no
mercado”, afirma Urban. Ainda segundo o advogado, ao exigir que a nota fiscal
destaque que o crédito de ICMS do comprador só será válido mediante
comprovação de pagamento do imposto, “cria-se um desestímulo para que
outras empresas comprem do contribuinte enquadrado, transferindo riscos e
burocracia para o cliente”.